terça-feira, 28 de maio de 2013

Diálogos de Rosaura com Paulo Freire

Campinas, maio de 2013.

Caríssimo Mestre Paulo Freire,

Diante do convite a escrever para o Seminário FALA outra ESCOLA sobre tua influência em minha formação, não resisti ao ímpeto de me dirigir diretamente a ti porque, ao reunir fragmentos de meus ‘encontros’ contigo, tomei consciência de que ela é muitíssimo maior do que eu imaginava.
Primeiro porque tu me ensinaste uma lição inclusora de outras tantas: que respostas para perguntas que não foram feitas são, por assim dizer, uma falta de juízo pedagógico.
Essa lição ancorou alguns pressupostos que orientaram minha prática profissional como professora, como coordenadora pedagógica, como formadora e como autora de material de subsídio para professores e material didático para alunos. E também, e talvez principalmente, minha militância na vida.
O primeiro pressuposto é que o destinatário de nossa ação, que se pretende formativa, é um sujeito constituído por sua história pessoal, que constrói seu próprio conhecimento e, portanto, nossas respostas bem intencionadas a perguntas inexistentes revelam um método autoritário, por mais éticos que sejam nossos propósitos.
Outro pressuposto é que, para conhecer o sujeito real que está diante de nós, é preciso tentar se pôr em seu lugar (apenas tentar, porque esse deslocamento, concretamente, é uma impossibilidade) e, para tanto, há que se ter um olhar sensível, uma escuta atenta e paciência suficiente.
Um terceiro é que, se as perguntas não existem conforme nós, educadores, esperamos, o desafio é gestá-las para que nasçam e se multipliquem de modo que nossas desejadas respostas passem então a ser respostas a necessidades que em princípio não existiam, mas passaram a existir para os sujeitos com os quais trabalhamos. "Partir da realidade", "considerar a história" e "valorizar os saberes" nada tem a ver com práticas espontaneístas e ausência de intervenção pedagógica.
E por fim, o quarto deles: por tudo isso, seja com os alunos na sala de aula ou com os profissionais nos espaços formativos, o "x" da equação pedagógica é quando problematizar e quando responder de pronto, ou, dito de outro modo, quando ajudar a construir soluções pessoais e quando informar diretamente.
Há muitas outras lições, evidentemente, mas destaquei estas aqui porque, até onde pode chegar minha consciência, elas são mais constitutivas da profissional que hoje sou.
E quero falar da enorme satisfação de poder me encontrar pessoalmente contigo várias vezes: uma na escola de pais em que fui coordenadora, numa tarde deliciosa, e outras tantas na Secretaria de Educação de São Paulo durante alguns anos – tu, secretário e eu, aprendiz de formadora.
Tive o privilégio de participar dos encontros que tu fazias com as equipes e dos diálogos que estes encontros sempre representaram. Tive a responsabilidade de compor a equipe que editou aquele vídeo em que tu falavas com todos professores das rede municipal de São Paulo e que foi passado em todas as escolas logo no início de tua gestão. Tive também a petulância de brigar bastante com certos ‘companheiros’ que, segundo eu mesma, não agiam de acordo com os princípios que tu sempre defendeste, e também eu. Quero que saibas que meus cabelos brancos começaram a teimar desde aí. Foram tempos ao mesmo tempo férteis e difíceis para mim. Porque o exercício do poder é uma prova inequívoca dos valores que de fato se tem, e não gostei do que vi em uns e outros com quem me desencantei eternamente.
Depois destas últimas lembranças, para mim bem tristes, fui dar uma espiada no youtube – é... agora temos este recurso que é um poderoso paliativo em certas circunstâncias. E qual não foi minha surpresa quando já logo de cara acho dois filmes mais ou menos breves (sim, porque contigo nenhuma conversa era breve!) de encontros em que estava eu lá te ouvindo, um deles justamente no núcleo onde eu trabalhava. Grata surpresa, Professor!
Ao assistir estes registros fui me dando conta de que talvez eu tenha aprendido mais te ouvindo do que te lendo... É certo que talvez eu já tivesse uma tendência a fazer falas e escritas mais ou menos irreverentes, atravessadas por histórias vividas e por algum humor, mas, pensando agora, acho mesmo que foi tu a me ‘autorizar’ a fazer essas graças, como acho que foi tu que me inspirou a falar publicamente de amor. O exercício desta escrita agora me fez desconfiar disso tudo – veja só que produtiva boniteza, como tu dirias, é esta brincadeira de escrever.
E, vejas que coisa... quando defendi minha dissertação de mestrado, foi uma surpresa e uma emoção ouvir de uma das docentes da banca que o meu estilo de escrita revela um grande cuidado com o leitor e uma amorosidade que ela reconhecia como semelhante à que se atravessa pelos teus escritos. Para mim, avaliação melhor impossível! Não bastasse isso, tempos depois, esta mesma docente me enviou o registro de uma aula dela na universidade em que comparava afirmações tuas e minhas. Mal pude crer, e de novo fiquei comovida. O fato é que em geral não percebemos certas marcas constitutivas de quem somos, como dizia teu amigo Darcy...
E já que estou falando do mestrado preciso te dizer que o registro da pesquisa foi feito na forma de cartas, que eu pretendia que fossem (e parecem que são mesmo) narrativas pedagógicas, tanto pelo conteúdo quanto pela forma. E também neste caso me inspirei em ti. Transcrevi inclusive o que disse o Alípio Casali, na capa de 'Pedagogia da Indignação', quando te cita: "fazia algum tempo que um propósito me inquietava: escrever umas cartas pedagógicas em estilo leve que pudesse recolocar a educação no espaço do coloquial e do afetivo e reencontrar o essencial da educação – o diálogo que compartilha e provoca". Quis fazer o mesmo e alguns dizem que consegui.
Além disso, claro, fiz várias citações tuas. Esta foi uma, e gosto muitíssimo:
A tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo prazerosa é igualmente exigente. Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo físico, emocional, afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ela se compromete um gosto especial de querer bem não só aos outros mas ao próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. É impossível ensinar sem a capacidade forjada, inventada, bem cuidada de amar. ... É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico. É preciso ousar para dizer, cientificamente e não bla-bla-blantemente, que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional. É preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente a que nos expomos diariamente. É preciso ousar para continuar quando às vezes se pode deixar de fazê-lo, com vantagens materiais. 

Neste período do mestrado, idos anos 2004 a 2007, Guilherme, meu orientador, e eu resolvemos publicar um livro de relatos de experiências de formação que tomavam a produção escrita dos professores como mote principal. Tanto que achamos oportuno chamar o livro de "Porque escrever é fazer história" (Editora Alínea). Inventamos um primeiro capítulo bem divertido, que é um colóquio dialógico de autores com os quais nos afinamos quando se trata da leitura e da escrita e que estariam supostamente conversando em uma mesa redonda. E lá, claro, estava tu, bem na frente, com tuas 'tiradas'. Eis algumas delas, que nos são caras:
Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém lê ou estuda autenticamente se não assume, diante do texto, ou do objeto da curiosidade, a forma de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade, sujeito da leitura, sujeito do processo de conhecer em que se acha. Ler é procurar ou buscar criar a compreensão. 
O ato de ler implica sempre percepção crítica, interpretação e reescrita do lido.
Enquanto leitores, não temos o direito de esperar, muito menos de exigir, que os escritores façam sua tarefa, a de escrever, e quase a nossa, a de compreender o escrito, explicando a cada passo o que quiseram dizer com isto ou aquilo. ... Ler não é tarefa para gente demasiado apressada ou pouco humilde.

Canção óbvia

Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto espero por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens.
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais;
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,
em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso esperar, na forma em que esperas,
porque esses recusam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,
com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente,
antes te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.
(Genève, março de 1971)

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura ... sem sonhar ... sem aprender, sem ensinar ... não é possível.

Tudo relevante e muito bonito também, que a boniteza sempre foi uma marca do teu discurso e dos teus atos.
Por fim, quero te dizer que amo especialmente (e uso a torto e direito) tua ideia de inéditos-viáveis: um modo de forjar na realidade algo de sonho e utopia que vai se tornando real por obra daqueles que não se intimidam diante de limites e dificuldades.
Por ora é isto o que desejei te dizer.
Saudações, com saudade infinita,

Rosaura Soligo

Almanaque Histórico

No Link abaixo você pode baixar o Almanaque Histórico 
Onde você encontra muitos os assuntos que encantava o mestre


sábado, 25 de maio de 2013

Diálogos de Wilson com Paulo Freire

Paulo Freire em minha pesquisa. (Parte I)
                              Wilson Queiroz

Retomei a leitura da minha dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2012, De docência e militância: a formação de educadores étnicos num programa da Secretaria Municipal de Educação de Campinas – 2003 a 2007, orientado pela professora Corinta Geraldi, defendida no GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Continuada, em 27 de fevereiro de 2012.

Tentando apontar aonde o Paulo Freire, se faz presente nesta pesquisa, optei por encaminhar este cordel, que foi inspirado no livro Pedagogia da Autonomia. A partir daí a pergunta mudou de direção. Aonde Paulo Freire não está em minha pesquisa?

Cordel[i]: Pedagogia da Autonomia
Autor: Wilson Queiroz – 22/05/2010


Há dias estou pensando
Hoje comecei a escrever
Sobre educação e poesia
E agora vou lhes dizer
Que muito me desperta
O modo de Freire fazer
E agora sobre este livro
Um cordel quero escrever.

Pedagogia da autonomia
Escrito por Paulo Freire
Anuncia aos Educadores
Alguns importantes saberes
Para uma prática educativa
Para todos poderem ser
Educando responsáveis
Inclusive por outros seres.

Um livro pequeno e de bolso
Não fosse seu grande valor
Porém num bolso não cabe
Todo o seu denso teor
Aponta questões importantes
Para assunção da arte-professor.

Agora entendo bem mais
E por que acredito nele
Destaca de fio a pavio
Vinte e sete saberes
Que fala da prática da escola
E do educador com ele
Que acredita na educação
E aposta em todos os seres.

São vinte e sete saberes
Que me dispus a pensar
Em que bem posso fazê-lo
E em cordel apresentar
A obra deste mestre
Na arte do bem educar
Liberta a mente de todos
E propõe a sociedade mudar.

Relendo cada saber
Espero melhor estudar
O que diz o Paulo Freire
Sobre o ser modo de ensinar
Trazendo para o cordel
Uma forma de acessar
Um pouco do que entendi
E um convite para dialogar.

Dividido em três capítulos
Esta pequena obra está
No primeiro ele destaca
Que docência sem discência não há
O que nos impõe desde o inicio
Sobre os alunos sempre pensar.

Neste segundo capítulo
A questão do ensinamento
Ele destaca já no titulo
Que ensinar não pode ser
Transferência de conhecimento
O que nos convida a estar
Em permanente movimento.

No último capítulo propõe
A reflexão que não engana
A arte de poder ensinar
É uma especificidade humana
Por isso é preciso pensar
Em como o educador leciona.

Além dos três capítulos
Um destaque é preciso fazer
Ainda temos um prefácio
Que muito irá nos dizer
Logo em seguida algumas
Intitulada primeiras palavras
O mestre irá nos surpreender.

Pedagogia da Autonomia
Um livro que me convida
A pensar no Paulo Freire
E na Elza sua esposa querida
Que para muito ainda passa
Quase ou total desconhecida.
Só fui dela saber melhor
Depois de uma dissertação lida.

Começo falando de Elza
Sua esposa e colaboradora
Por que antes dela sabia
Ser apenas educadora
Agora num estudo entendi
Que também foi sonhadora
Junto com Paulo Freire semeou
Uma educação libertadora.

A pedagogia da autonomia
Proposta por Paulo Freire
Considerava os alunos
E o respeito aos seus saberes
Valorizando o que é simples
E todos os seus afazeres
Pensando numa educação
Com plenos direitos e deveres.

Educação era para Freire
Uma ação, um compromisso
E o professor na sua prática
Responderia por tudo isso
Na sua forma de pensar
De se fazer e de ser dito.

· RIGOROSIDADE METÓDICA


Em sua teoria da pedagogia
Paulo Freire então anuncia
Que três aspectos da educação
Requer que se tenha em dia
Sobre a importância do rigor
E da especificidade que anuncia
Ensinar é uma prática humana
E que para o homem tem valia
Porém ensinar não é transferir
E esta prática ele repudia.

Subdividida em várias partes
Esta pedagogia ele anuncia
Considerando alguns aspectos
E cada um ele também avalia
Considerando muitos dos aspectos
Que esta prática evidencia
Para construir uma educação
Que valorize a autonomia.


*Ensinar exige: Pesquisa-Respeito aos Saberes dos Educandos-Criticidade-Estética e Ética-Corporeificação das Palavras Pelo Exemplo-Risco-Aceitação do Novo e Rejeição a Qualquer Forma de Discriminação-Reflexão Crítica Sobre a Prática-O Reconhecimento e a Assunção da Identidade Cultural-Ensinar não é Transferir Conhecimento-Consciência do Inacabamento-O Reconhecimento de Ser Condicionado-Respeito à Autonomia do Ser Educando - Bom Senso-Humildade-Tolerância e luta em Defesa dos Direitos dos Educadores-Apreensão da Realidade-Alegria e Esperança-A Convicção de que a Mudança é Possível-Curiosidade-Ensinar é uma Especificidade Humana-Segurança-Competência Profissional e Generosidade-Comprometimento-Compreender que a Educação é uma Forma de Intervenção no Mundo-Liberdade e Autoridade-Tomada Consciente de Decisões- Saber Escutar-Reconhecer que a Educação é Ideológica-Disponibilidade para o Diálogo- Querer Bem os Educandos. 



[i] Referência Bibliográfica: Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1998. 168 p.