quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diálogos de Glória com Paulo Freire


Paulo Freire  & e-Boa

Glória Pereira da Cunha

Retalhos de  Sonoridades do sul : ausências, emergências, traduções e encantaria na educação. (2010)
Dissertação (Mestrado em educação) – GEPEC / Faculdade de Educação da Unicamp. Orientadora: Corinta Maria Grisolia Geraldi.

Pesquiso minha pesquisa à procura de encontros com Paulo Freire.
Ele está nos mais variados lugares até mesmo para apresentar, na página 165, o Grupo de Terça do GEPEC:
A palavra nos (a)trai e gostamos de contar paulofreireanamente uns aos outros as descobertas, anunciando em escritos as novidades porque
                                                      a escrita permite se conhecer melhor
                                                      a escrita permite se dar a conhecer aos outros
                                                      escrever é fazer história!

E sabemos com Paulo Freire que “estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros [ e] estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura [...], sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.”[i]

Nos alinhamos com Paulo Freire.
Nos caminhamos com a certeza de que através destas trocas de escritos, nossos e alheios, o GEPEC provoca o movimento da esperançosa busca que nos ensina o mestre:
A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o inacabamento de seu ser de que se tornou consciente. Seria uma agressiva contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse num permanente processo de esperançosa busca. Este processo é a educação. Mas precisamente porque nos achamos submetidos a um sem-número de limitações – obstáculos difíceis de ser superados, influências dominantes de concepções fatalistas da História, o poder da ideologia neoliberal, cuja ética perversa se funda nas leis do mercado – nunca, talvez, tenhamos tido mais necessidade de sublinhar, na prática educativa, o sentido da esperança do que hoje.  Daí que, entre saberes vários fundamentais à prática de educadores e educadoras, não importa se progressistas ou conservadores, se salienta o seguinte: mudar é difícil, mas é possível[ii]

Também é Paulo Freire quem me ajuda para falar dos caminhos do professor e do pesquisador como um só caminho e não um cruzamento, como uma sobreposição de atividades.
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino[iii]. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.[iv]
Na minha dissertação, os textos de Boaventura de Sousa Santos, principalmente o Sociologia das ausências[v], são minha cartografia básica e neles encontrava idéias sobre educação que me lembravam as de Paulo Freire. Será que eles se conheceram, me perguntava?
Eu li, naturalmente, como todos, o Paulo Freire, nunca tive ocasião de privar com ele, apesar de que, numa fase final, quase estivemos juntos, e penso que todos nós acabamos por ser influenciados por muitos de seus ensinamentos. Talvez seja isso que ressoa nos meus escritos porque é muito virado ao meu futuro, é muito virado para a juventude, é muito virado para a criação de novos paradigmas e para as chamadas subjetividades paradigmáticas. Eu penso que a educação devia ser uma criação constante de subjetividades paradigmáticas, porque, para criar subjetividades sub-paradigmáticas, não é preciso escola para coisa nenhuma; para isso basta deixar andar as crianças por aí, aprendem mais fora das escolas do que nas escolas, até porque, na escola têm que desaprender muitas coisas.[vi]
Em alguns diálogos com e-Boa[vii] , uso as falas de Paulo Freire cruzando incerteza e inconclusão, possibilidades de mudar o mundo que não é, só está sendo.

[18:33:09] e-Boa — O que conhecemos do real é a nossa intervenção nele e a sua resistência. Esta resistência faz com que a certificação das consequências do conhecimento fique sempre aquém da sua total previsibilidade. É por isso que as acções científicas tendem a ser mais científicas que as suas consequências. É por isso também que os novos conhecimentos geram novos desconhecimentos, aí residindo a sua incontornável incerteza[viii]

[18:33:14] gloria — isto me lembra Paulo Freire e suas sabedorias sobre a inconclusão que estão no Pedagogia da Autonomia: “É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornam educáveis na medida que se reconhecem inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade”[ix]. Incompletos somos, e incompleto, o que fazemos, o que pesquisamos, nossas certezas. E ainda, no mesmo livro, ele diz que “Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas.” [x]        […]
[18:33:40] gloria — E, de novo, Paulo Freire: “Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que meu ̳destino não é um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo.” [xi]

[18:33:41] e-Boa — A possibilidade é o movimento do mundo.

[18:33:42] gloria — é ... eu me lembrei que você havia me falado disto quando explicou sobre a sociologia das emergências.

[18:33:43] e-Boa — A sociologia das emergências é a investigação das alternativas que cabem no horizonte das possibilidades concretas.

[18:33:45] gloria — a sociologia das ausências vai ampliar o presente juntando ao conhecido, ao real existente, o que foi silenciado, o real inexistido, e a sociologia das emergências?

[18:33:46] e-Boa — a sociologia das emergências amplia o presente, juntando ao real amplo as possibilidades e expectativas futuras que ele comporta. Neste último caso, a ampliação do presente implica a contracção do futuro, na medida em que o Ainda-Não, longe de ser um futuro vazio e infinito, é um futuro concreto, sempre incerto e sempre em perigo.

[18:33:47] gloria — E por ser o futuro incerto e em perigo é preciso aprender a transformar a realidade, intervir, não ver com passividade o presente e nisso a educação tem um papel importante. Paulo Freire diz que ensinar “exige a apreensão da realidade” e que “temos capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando- a” […]

[18:33:49] e-Boa — acho que a educação, se ela se limitar a reduzir a realidade ao que existe, ela vai ser a grande projetora do conformismo. E o grande problema dos sistemas educativos nacionais foi que, exatamente, reduziram a realidade ao que existe. E nós não podemos fazer isso precisamente porque hoje há muita realidade que é desperdiçada, muita experiência que é desperdiçada; exatamente porque há realidades que são ativamente produzidas para não existirem, para serem desqualificadas ou porque são ignorantes. [...] E é exatamente o grande desafio que eu penso que a educação tem: é, realmente, ver como é que hoje, na nossa sociedade, a gente produz duas grandes realidades que não existem e que são fundamentais: uma é aquilo que eu chamo de a "sociologia das ausências", é esta ausência, a ausência do discriminado, a ausência do inferior, a ausência do residual, a ausência do atrasado, e poderíamos falar de milhões de pessoas. E é preciso trazer essa ausência, digamos assim, torná-la presente, transformar essa ausência numa carência e, portanto, em um desejo de preenchimento. [...][xii]

[18:34:04] gloria — De novo Paulo Freire com Pedagogia da autonomia, um livro que em muito momentos, é de pura poesia e, em outros, é manifesto: “Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga, porque, histórico, vivo a História como tempo de possibilidades e não de determinação. Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que assim teria de ser, não haveria sequer por que ter raiva. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema.[xiii] Adoro esse inconformismo dele sintetizado em “O mundo não é. Esta sendo”.

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Boaventura define o mestre Paulo Freire: grande educador brasileiro, que se preocupava com uma educação conscientizadora e libertadora, é uma pedagogia nova[...][xiv] [...] o mestre de todos [ na luta contra a doutrinação e na luta por uma escola de cidadania ] naturalmente, continua a ser Paulo Freire [ ...]ele, realmente, foi uma luz para o mundo. [xv]


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[i][i] FREIRE, Paulo (1998). FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. Disponível em http://www.letras.ufmg.br/espanhol/pdf%5Cpedagogia_da_autonomia_- _paulofreire.pdf. Acesso em 4 de julho de 2010, p.34.
[ii] FREIRE, Paulo (1996). Educação e esperança. In: Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo, SP: Unesp, 2000. Disponível em http://portal.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/Pedagogia_da_Indigna%C3%A7%C3%A3o. pdf. Acesso em 25 de junho de 2010.
[iii] Nota de rodapé do texto de Paulo Freire: “Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescenta à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba, se assuma, porque professor, como pesquisador.”
[iv] FREIRE, Paulo (1998). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p.36.
[v] SANTOS, Boaventura de Sousa (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista crítica de ciencias sociais, ISSN 0254-1106, No. 63, 2002 (Exemplar dedicado a: Globalizaçao : fatalidade ou utopia?), pp. 237-280. Disponível em www.ces.uc.pt/bss/documentos/sociologia_das_ausencias.pdf. Acesso em 31 de maio de 2010.
[vi] SANTOS, Boaventura de Sousa. (2003). Dilemas do nosso tempo: globalização, multiculturalismo e conhecimento. Entrevista para GANDIN, Luís Armando, HIPÓLITO, Álvaro Moreira. Currículo sem Fronteiras, v3, n.2, p.5-23, Jul/Dez 2003. Disponível em http://www.curriculosemfronteiras.org/vol3iss2articles/boaventura.pdf. Acesso em 15 de maio de 2009, p.21 e 22
[vii] Sobre e-Boa: Quem é ele? e-Boa é o heterônimo que soma as palavras disponibilizadas na Internet atribuídas a Boaventura de Sousa Santos, com sua aprovação ou à sua revelia, até 31 de dezembro de 2008; entrevistas, artigos de revista, capítulos de livros, palestras, textos de suas polêmicas e seus todos os escritos vadios, poemas e contos, foram costuradas e bordadas por mim na dissertação Sonoridades do Sul.
[viii] Todas das falas de e-Boa deste diálogo estão em Prezados professores. In: A página da educação, Edição 112, maio de 2002. Disponível em http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=112&doc=8798&mid=2 . Acesso em 25 de abril de 2010.  Considerei importante citar esse texto quase na íntegra por ser destinada exatamente aos professores e trazer, numa linguagem bem acessível e clara, alguns temas com os quais frequentemente nos confrontamos. Sempre que as palavras do e-Boa forem de outro lugar, isto está especificado.
[ix] FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p.34.
[x] FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p.15.
[xi] FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p.30.
[xii] SANTOS, Boaventura de Sousa. (2002). Entrevista para o programa Roda Viva, p.13.
[xiii] FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 16.
[xiv] SANTOS, Boaventura de Sousa(2002). (2002d). In: Roda viva. TV Cultura, São Paulo, SP. Disponível em http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/259/entrevistados/boaventura_de_souza_santos_2002.htm. Acesso em 15 de maio de 2009, p.8.
[xv] SANTOS, Boaventura de Sousa (2003). Dilemas do nosso tempo: globalização, multiculturalismo e conhecimento, p. 20.

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