terça-feira, 30 de abril de 2013

Diálogos de Mafê com Paulo Freire

Maria Fernanda Pereira Buciano

BUCIANO, M.F.P. “Eu seguro sua mão na minha para fazermos juntos o que eu não posso fazer sozinha”:Narrativa e reflexões da experiência de uma professora no trabalho pedagógico construído em diálogo com seus alunos e alunas. 2012. 333f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, 2012

Partilho com vocês alguns trechos que destaquei de minha dissertação. Não resisti, fiz algumas "costuras" e li naquilo que escrevi marcas cheias de boniteza produzidas, ao mesmo tempo, pela presença de educador@s importantíssimos em minha história: Corinta Maria Grisólia Geraldi, Guilherme do Val Toledo Prado e Paulo Freire. Na minha história, três gepequianos!
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...Cursava o último ano da Pedagogia, ingressava na FUMEC[1], começava a trabalhar... Nesse contexto, redigi o meu Trabalho de Conclusão de Curso, em formato de cartas endereçadas a Paulo Freire. Na escolha pelo texto narrativo produzi reflexões sobre minha prática docente nos dois primeiros anos da carreira. 

Campinas, setembro de 2001.
Querido professor Paulo Freire, 
É com muita emoção e carinho que escrevo esta carta. Preciso imaginar que talvez a receba um dia. Tem coisas que só você pode me responder, pois inicialmente as perguntas aqui colocadas também são/foram suas. São suas muitas das palavras que me alimentam e me movem. (...) Por que, por incrível que pareça, há algum tempo fiz a escolha consciente de caminhar ao teu lado... Hoje, preciso te sentir ao meu lado...
Bem, apresento-me. Aqui começo a apresentar, também você, na minha história...
Meu nome é Maria Fernanda, professora em formação na EMEF “Edson Luis Lima Souto” onde assumo este papel no exercício do trabalho docente e na Faculdade de Educação da UNICAMP, tendo curso de magistério em nível médio concluído em 1996. Esta carta tem a intenção de abrir um diálogo sincero com uma das pessoas também responsável por minha formação, aliás, não só pela minha, como também pela de muitos outros e outras profissionais da Educação. Sob tanta responsabilidade, tornou-se referência. Acredito que suas obras caberiam como parte da bibliografia de plano de curso de muitas disciplinas que compõem a formação institucional de professores.
Infelizmente este não foi o caso do meu curso de formação superior. Conheci você, Paulo Freire, no curso de magistério, em Santos (cidade onde nasci e cresci até os 18 anos), graças às professoras apaixonadas por seu trabalho, duas delas ex-alunas suas. Em torno do ano de 1996, li “O que é método Paulo Freire”, escrito por Carlos Rodrigues Brandão. 
Na faculdade de Educação da Unicamp, li “Pedagogia do Oprimido” logo no primeiro semestre, não acredito que tenha sido o melhor momento, muito menos a melhor forma de trabalhar com o conteúdo que nos oferece: fiz uma resenha desta obra e entreguei. Mas lembro de ter sido uma das primeiras e poucas obras completas que li em minha formação acadêmica. Em 1999, na disciplina de Prática de Ensino, a professora Corinta Geraldi, sua amiga e colega de trabalho no tempo em que foi docente da UNICAMP, retomou seu nome e obra, ao lado de Freinet e Pistrak (educador russo). Eu escolhi conhecer Pistrak, já que nunca tinha ouvido falar, e vindo como recomendação da Corinta, já imaginava que fosse um outro possível educador significativo para minha formação. Então, naquele momento, não li suas obras, mas participei de discussões sobre estas, com as intervenções da profa. Corinta contando detalhes sobre sua passagem pela UNICAMP. Ainda em 1999, ainda aluna da Corinta, em Metodologia de Pesquisa no Ensino Fundamental, li “Extensão ou Comunicação”... (...)Em 2000, na disciplina de Estágio Supervisionado II, li “Pedagogia da Autonomia”, na época era aluna, pelo segundo semestre consecutivo, do professor Guilherme do Val. Toledo Prado (nossa! Agora pensando... não foi seu aluno?), que me orienta até hoje, acompanhando, então, todas as crises com a Mafê (assim me chamam por aqui) professora, desde a época em que era estagiária e tinha arrepios com essa ideia... 
Achei pouco “Paulo Freire” no meu curso de pedagogia, como disse anteriormente, seu conteúdo caberia em qualquer disciplina, já que a VIDA cabe em qualquer lugar. Como disse professor Ernani Maria Fiori em suas primeiras palavras, prefaciando a 23a. reimpressão de “Pedagogia do Oprimido”: “Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não pensa ideias, pensa a existência”... Vejo Paulo Freire conciliando lugares como academia e movimentos sociais de base, também escreveu História, levando consigo outras pessoas à conscientemente escrevê-la e fazê-la. Por considerar-se um ser humano inacabado, dizia-se “sendo” historicamente, assumindo assim sua responsabilidade ética na assunção de suas crenças religiosas e político-partidárias. “Inteiro”, Paulo Freire registrou saberes constituídos de consciência e emoção. 
Estou sempre brincando com amigos e amigas da faculdade sobre o meu desejo de que estivesse vivo, daria tudo para que me acompanhasse até a minha sala de aula. Gostaria de ver como responderia aos meus alunos como Seu Sebastião, e alunas como dona Margareti, tantas questões... 



Nessa carta ‘endereçada’ a Paulo Freire, escrevia também para mim. 
(...) Nas cartas que escrevi, como meu texto apresentado na Conclusão do Curso de Pedagogia, apresentei ‘a Paulo Freire’ alguns porquês de escolhê-lo como meu principal interlocutor. A presença do mestre Freire mistura-se a presença de professores do GEPEC em minha vida. Mesmo uma das professoras que me apresentou obras de Paulo Freire no magistério tinha sido aluna da profa. Corinta e colega de curso de pedagogia do prof. Guilherme. 
Em 2009, ingresso no curso de mestrado na FE – UNICAMP, sob orientação do professor Guilherme do Val Toledo Prado. Todo meu trabalho de pesquisa como professora foi acompanhado por leituras e releituras das obras de Paulo Freire. A produção de uma narrativa durante o processo investigativo do mestrado não foi diferente. Mais uma vez, o mestre me desafiou a procurar coerência entre o que faço e defendo, cotidinamente, na escola. 
Em diálogo com Freire e outros autores do campo da Educação Popular, discuto meu próprio processo de pesquisa, sua inserção neste campo(...)

Viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente. A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica; a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo. A experiência da abertura como experiência fundante do ser inacabado que terminou por se saber inacabado. Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao impulso natural da incompletude (FREIRE, 1996, p.153). 
A professora Corinta explicita a defesa que o Gepec faz no mesmo sentido, colocando o registro e o estudo sobre a prática como esta possibilidade de abertura ao outro... 
Acreditamos que registrando histórias, vamos delineando (e complexificando) os significados que perpassam a constituição da professora como pesquisadora (GERALDI, C.M.G. 2006, p. 182). 
Registro produzido por aluno meu em 2010.
 Acervo pessoal.
Além das perguntas que mobilizaram a investigação que realizei no mestrado, foi/é necessário perguntar para quê busquei respostas às perguntas. Para quê discutir dialogicidade em sala de aula? 
Com as perguntas em nossas mãos escrevemos também nossa história. Essa que fazemos diariamente e aquela que escreveremos em defesa da primeira usando papel, lápis ou computador se preciso for! 
A escrita buscava respostas, gerava novas perguntas. No livro “Porque escrever é fazer história”(2005, p. 37) os professores Guilherme e Rosaura ‘me dizem’... 
Ora, se escrever é assim tão trabalhoso, as razões para fazê-lo devem ser suficientemente fortes para nos seduzir, para nos convencer, para nos arrastar, para nos dar a certeza de que vale a pena.(...) O fato é que a experiência de escrever – e de ler- nos pode fazer melhores, muito melhores. 
Escrevi História, fazendo-a na lida e no registro desta! Escrevi História em diálogo com o mestre Freire. E feliz vejo que produzo em mim efeitos que quero produzir em meus alunos e alunas: com as mãos cheias de perguntas reescrevo caminhos da minha história como professora, buscando outras ‘rotas’, outros encontros para aumentarmos territórios compartilhados na construção de uma sociedade mais justa e solidária. 
Este é o motivo pelo qual trabalho em uma escola pública! Este é o motivo que me levou e me leva a fazer pesquisa! Este motivo é alimentado pelos princípios freireanos mobilizados em grupo pelo GEPEC, em seus encontros, em cada conversa com o professor Guilherme... 
Hoje realizo a travessia neste ‘mar’ que chamamos cotidiano escolar, acompanhada por outros autores e autoras de práticas, pesquisa, livros e militância. 
Com alguns tenho o privilégio do convívio ‘em carne e osso’ ... Por meio das palavras de Paulo Freire, muitas vezes traduzidas por professoras que continuam em diálogo com o mestre, que sigo aprendendo sobre as possibilidades de se fazer Educação Popular, na escola pública, alfabetizando crianças! 


Referências:
BUCIANO, Ma. Fernanda P. Para: Paulo Freire, De: Professora em formação - Sala de Programa de Educação Básica 1. Fundação Municipal para Educação Comunitária.(FUMEC) - Campinas, SP, Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia – FE -UNICAMP, sob orientação da Profa. Dra. Lise Roy e do Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, 2001.(mimeo)

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GERALDI, Corinta Maria Grisolia. Desafios da pesquisa no cotidiano da/na escola. In: GARCIA, Regina Leite et al. Cotidiano e diferentes saberes. Rio de Janeiro: Dp&a, 2006. p. 181-222.

PRADO, G.V.T. e SOLIGO, R. Porque escrever é fazer história – Revelações, subversões, superações. Campinas.S.P.: Graf.FE, 2005.


[1] Fundação Municipal para Educação Comunitária, destinada à Educação de Jovens e Adultos, de 1a. à 4a. série.

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